Relato enviado pela voluntária Paloma (Palhaça Lorena)
Lá no Menino Jesus conhecemos um menino chamado C. Ele nunca ri. Nunca. Uma criança que nunca ri é um desafio para palhaços. E esse desafio parecia impossível pra mim, afinal, na minha última visita ao C., eu não tinha conseguido arrancar dele sequer um olhar, quanto mais uma risada, um sorriso.
Palhaços sentem medo?
Palhaços se frustram?
Palhaços desistem?
Eu senti medo. Já tinha me frustrado uma vez, mas não desisti.
Certo dia, Romão e eu paramos junto à porta do quarto do C. e ficamos escondidos atrás da sua cama. Ficamos trocando olhares rápidos com o menino que estava completamente sério. A cada momento, era um de nós que aparecia para o menino, que nos procurava com olhos atentos.
Ponto para os palhaços! Eu já estava feliz por ter conseguido pelo menos um olhar dele desta vez.
Resolvemos entrar no quarto e nos esconder atrás de objetos como camas, mesas e aparelhos. Romão e eu estávamos confiantes de que o C. não conseguiria nos ver, mas aqueles olhinhos tristes insistiam em nos perseguir. Quando não conseguimos mais nos esconder, Romão e eu paramos no meio do quarto, um de costas para o outro, os dois olhando para ele.
Foi aí que o Romão falou: “Lorena, acho que estamos invisíveis. Enquanto nós estivermos encostados um no outro, ele não vai conseguir nos ver.”
Eu achei aquilo muito estranho e perguntei: “C., você está vendo a gente?” e ele respondeu que sim, balançando positivamente a cabeça.
Eu falei: “Romão, seu bobão, ele está vendo a gente. Precisamos usar a nossa super magia da invisibilidade!”.
Palhaços sabem fazer magia?
Palhaços ficam invisíveis?
Romão e eu fizemos uma magia, mas não ficamos invisíveis.
Nossa magia consistia em dar giros, pulinhos, chacoalhar a cabeça freneticamente e fechar os olhos, sempre de mãos dadas.
Ao final da magia, Romão, ainda de olhos fechados, disse: “Lorena, eu não estou vendo nada. Acho que funcionou. Ficamos invisíveis!”.
Eu, desconfiada que sou, espiei o C., abrindo um dos meus olhos. O menino estava vidrado na gente. Eu perguntei se ele estava nos vendo, mas silenciosamente, me comunicando com o garoto apenas através de gestos. E o menino respondeu que sim, balançando a cabeça novamente. Enquanto isso, o Romão estava todo feliz, de olhos fechados, acreditando na sua invisibilidade.
Foi aí que eu resolvi enganar o Romão e disse: “Romão, cadê você? Não estou te vendo... Bom, eu vou ali com o C. e já volto. Você não tem medo de ficar sozinho, né? Vamos, vamos, C. Tchau, Romão.”
Depois dessas frases, eu fiquei completamente em silêncio. E Romão ficou completamente apavorado, acreditando estar sozinho.
Daí pra frente, C. e eu nos unimos para assustar cada vez mais o Romão. A cada ideia nova, eu me comunicava por gestos com o ele e pedia a sua ajuda. O menino sempre olhava pra mim e fazia um “joia” com as mãos, concordando com as minhas maluquices. O C. estava adorando ver o Romão com medo.
Eu comecei a fazer barulho de chuva, trovões e raios, e a falar com uma voz bem grossa: “Romão, eu sou o fantasma da chuva. Vou te levar para um lugar horroroso, com cheiro de ovo podre e cheio de baratas!”
Romão ficou morrendo de medo e fugiu do quarto, mantendo os olhos fechados. Eu saí atrás do Romão, mas antes dei um tchau para o C. que me respondeu com seu “joia” e um último olhar, não mais triste, agora alegre.
Palhaços sempre fazem rir?
Olhos podem sorrir?
Palhaços ficam felizes quando os olhos de um menino sorriem?
Vocês podem me perguntar se o C. deixou de ser sério. E eu respondo que não. Aliás, não ganhamos nenhum sorriso dele. Não com a boca. Em compensação, os olhos dele ficaram o tempo todo grudados na gente, sorrindo que só.
Palhaços nem sempre fazem rir, mas ficam muito felizes quando os olhos de um menino como o C. sorriem.
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